Série fotográfica escancara o medo por trás da epidemia de zika vírus

Empatia é o ato de compreender, de quase sentir o que o outro sente. Mas às vezes não é tão fácil. Ou tão óbvio. Ou talvez seja mesmo muito claro, mas é preciso reafirmar esse óbvio. A série “Invólucro”, da artista visual e fotógrafa Marília Scarabello, nos leva à percepção de um medo que tomou o Brasil nos últimos tempos: o de gestantes contraírem o zika vírus, transmitido pelo mosquito aedes aegypti.

Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello

A ideia surgiu quando a artista estava em uma farmácia e notou uma grávida, aparentemente agitada, comprando uma cesta cheia de repelentes.

“Naquele momento traduziu-se dentro de mim toda a insegurança, todo o medo e, ao mesmo tempo, toda a loucura que era a tentativa de se cobrir de roupas em pleno verão de um país tropical, e camadas e mais camadas de repelentes para tentar evitar um desfecho indesejado e perigoso, capaz de mudar para sempre os sonhos e a vida de muitas pessoas”, conta a artista.

Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello

Sua série traz 12 fotografias que externam, de forma ao mesmo tempo curiosa e cruel, o pânico de ter a pele picada por um mosquito, um vilão praticamente invisível, muito pequeno para ser notado em algumas situações no meio da cidade. Confira a entrevista de Marília Scarabello concedida ao iPhoto Channel:

iPhoto Channel – Como foi a produção para essa série? A modelo está grávida?

Marília Scarabello – Sobre a produção, foi tudo feito sem custos. A roupa veio emprestada de uma bióloga, que mexe com abelhas. Uma mulher. A modelo é na verdade uma atriz, que está realmente grávida, agora quase de nove meses. O nome dela é Fernanda e no blog consta um agradecimento a ela. Ela topou de cara, por sentir realmente na pele o medo de mais isso, além de todas as outras preocupações que existem na gravidez. A série é toda puxada para o amarelo/laranja, para reforçar o calor dos trópicos, e o calor da própria grávida. Afinal, precisando usar o tempo todo roupas com mangas, fica impossível sentir algo diferente de calor.

Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello

iC – Vi em várias fotos que as pessoas pareciam não se importar com a modelo nessa roupa de apicultor… Como foram as reações do público em volta?

Marília S. – O trabalho foi mesmo uma espécie de intervenção urbana. Não avisamos ninguém. Chegamos eu, o meu assistente e colega de trabalho e a Fernanda e simplesmente começamos a fazer as fotos de acordo com o que eu tinha previamente na cabeça. Queria ela perdida no meio da multidão, queria usar o centro de SP.

Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello

O engraçado é que no começo algumas pessoas olharam para ela, algumas chegaram a dizer algo como “é importante se proteger né?”, outras vieram nos perguntar o que era aquilo, mas depois de alguns minutos, a correria da cidade grande era tanta, que ela como figura, passou a fazer parte do fluxo e ninguém mais se importava. E isso no final me interessou, a normalidade de algo bizarro estar ali e sequer ser notado efetivamente. Não é assim que tratamos nossos problemas políticos e sociais? O mendigo também fica invisível, por que com ela seria diferente? Perceber isso foi interessante. E perceber que quem mais a notava eram os mendigos também.

iC – Você sente que há um certo tipo de opressão social velada contra a mulher no descaso em relação ao zika vírus?

Marília S. – Acho que a opressão social contra a mulher não é velada. Tem mudado bastante, porque as mulheres têm se colocado com mais força, brigado mais por igualdade, mas não é velada. Ocorre desde os grupos de Whatsapp, onde circulam milhares de memes que apenas objetificam a mulher (desde que ela não seja sua esposa e/ou namorada) até situações mais concretas, dentro do trabalho, por exemplo. No caso da epidemia, eu creio que o descaso é da sociedade inteira com um mosquito. Homens e mulheres não fazem a sua parte e por isso vivemos sempre com essa sombra.

Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello

Antes era só a dengue, agora já são 3 doenças. Dengue é horroroso. Meu pai teve, tenho amigos que tiveram, não é possível que uma sociedade inteira goste de brincar de sorte ou azar e não agir com assertividade. É uma estupidez danada fingir que isso não existe e não fazer o mínimo. As pessoas – todas – seguem atirando seus lixos pela janela, deixando vasos com água, etc.

Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello

As grávidas sofrem mais, é claro, porque são elas que precisam lidar diretamente com a insegurança diante disso, de ainda por cima parirem um filho com microcefalia ou outros problemas. Já ouvi histórias de homens que abandonaram suas esposas porque os filhos nasceram com microcefalia. Mas eu vejo isso mais como um sintoma de uma sociedade doente – no geral – do que como algo pontual relacionado a esta doença específica. Já vi homens abandonando mulheres em várias situações em que o filho/filha nasceu com algum problema de saúde.

Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello
Foto: Marília Scarabello

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