Jorge Quintão: fotografar para pertencer

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Capa já dizia: “Se a foto não ficou boa, é porque você não chegou perto o suficiente”. No caso de Jorge Quintão, a proximidade buscada não é apenas física, mas emocional. Fotógrafo documental, desde o começo o mineiro de Belo Horizonte orientou sua relação com a fotografia para um caminho reflexivo, nunca superficial. Por conta disso, abandonou o fotojornalismo – não sem antes retirar dele importantes lições – e, em paralelo às histórias que conta, desenvolve projetos sociais, nos quais a câmera representa estímulo, autoestima e consciência crítica.

“Com a experiência, percebi que a fotografia funciona como um instrumento muito importante de empoderamento para o jovem”, observa o engenheiro industrial mecânico de 40 anos de idade, pós-graduado em linguagem e tecnologia e mestre em estudos de linguagem. “Com uma câmera na mão, ele pode decidir o quê fotografar, como fotografar e quando fotografar”, continua Jorge, que iniciou seu trabalho voluntário em 2009, como professor de fotografia para jovens do Morro do Papagaio, comunidade da região centro-sul de Belo Horizonte.

Depois, ajudou a desenvolver o projeto Olhar Coletivo. Baseado na experiência da fotógrafa inglesa Zana Briski, entre outras iniciativas, o programa levava fotografia a jovens em situação de risco social. “A partir da proposição de atividades que utilizavam a linguagem fotográfica como instrumento para a mudança social, comecei a perceber que as crianças tinham um senso estético incrível e que elas eram extremamente competentes em produzir imagens do lugar em que viviam. E mais: não tinham medo de errar! A partir daí, aprendi muito com aqueles olhinhos tão espertos, em uma troca permanente”, afirma o fotógrafo, que saiu do programa no início de 2012 e criou um outro, o Imaginário Coletivo, o qual coordena até hoje.

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“No Imaginário, todas as atividades são baseadas no lúdico e a linguagem fotográfica é introduzida aos poucos, para que a criança não se assuste com a quantidade de termos e conceitos técnicos”, informa, satisfeito com os resultados desse aprendizado: “Pelo menos um aluno do projeto, desde 2009, ganha ou é selecionado em um concurso de fotografia”, garante.

A missão de Jorge Quintão de certo modo reflete sua permanente preocupação em dar sentido à sua produção. “Descobri a fotografia observando um amigo que gostava de retratar as coisas. Ele não tinha muito conhecimento, mas eu achei interessante a forma de como ele fotografava tudo. Não pensava muito, apenas clicava. Logo comecei a fazer experiências com uma Olympus Pen que era da minha mãe. Entretanto, aquele modo de fotografar não me acrescentava muito”, conta.

No início, sua atenção se prendeu na fotografia de natureza. Mas ao lado da apreciação da beleza inata e mutante do mundo natural, surgiu a preocupação com os aspectos nocivos da intervenção do homem, traduzidos principalmente na exploração madeireira e extrativista no Vale do Aço, em Minas. “Eu vi espécies desaparecerem por completo, cenários mudarem rapidamente e florestas de Mata Atlântica darem lugar a florestas de eucalipto. Eu vi a terra ficar estéril, mas não podia fazer nada. Então voltei meus olhares para o homem que vivia no campo e como ele sobrevivia às mudanças culturais e de manejo”.

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Essa opção marcou o seu ingresso no fotodocumentário, ao mesmo tempo em que começava a trabalhar em um jornal local. “Foi uma experiência única, que me fez perceber o que eu queria fazer. Era 1998 e eu acabei indo cobrir as eleições. Fui acolhido por um fotógrafo do jornal, mais idoso, e que me ensinou muitas coisas sobre o fotojornalismo, como usar a câmera e alguns segredos para a revelação de filmes e tratamento das imagens”, recorda.

Ao fim do período eletivo, Jorge foi deslocado para a seção policial, mas não se deu muito bem com a nova função. Obteve uma transferência de setor, desta vez para a coluna social. A incompatibilidade, no entanto, persistiu e o mineiro resolver largar o emprego. “Aprendi muito com esse trabalho, mas me incomodava o fato de sempre ter que retratar um determinado lugar sem fazer parte dele. Não pertencer a um lugar a ser retratado não me deixava à vontade e eu considerava que aquela função não era minha. Eu precisava de mais tempo. Precisava conhecer mais as pessoas, compreender aquele universo, para então, conquistá-las e, só aí, extrair as imagens e não simplesmente levá-las como souvenir”, justifica a sua decisão.

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As irmãs Sá Ana e Lina: histórias que Jorge colheu no campo
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Jorge Quintão: necessidade de conhecer as pessoas (foto: Juliana Ribeiro)

A partir disso, Jorge voltou aos documentários visuais. Imprimiu um pouco mais de organização aos ensaios, mas ainda sem muito roteiro, as histórias é que o levavam pela mão. “Produzi muitas imagens de pessoas simples do campo, que trabalhavam muito para tirar o sustento da roça. Ao mesmo tempo, as histórias tinham uma riqueza incrível e eu ficava cada vez mais maravilhado”. Histórias como a de Sá Ana “Relógio” (por causa da pressa com que fazia tudo) e sua irmã Lina, centenárias e cheias de causos para contar. “Eu frequentava muito a casa das duas e aos poucos elas me deixaram fotografar, pois eu havia conquistado a confiança. Poucos anos depois, recebi a notícia de que as duas haviam falecido. Ainda hoje lembro das expressões e das suas histórias”, diz.

Do campo para a periferia – seu ensaio Favela, em execução, é resultado do trânsito constante pelas comunidades de BH – Jorge Quintão exercita sua convicção de que a fotografia deve aproximar, estimular a troca e o diálogo entre culturas diferentes. Quebrar barreiras e transformar realidades. Seja executando projetos pessoais, ensaios, seja oportunizando a outros descobrir, por meio da imagem, sua própria expressão. Mais do que missão, para ele um privilégio: “Com o projeto [Imaginário Coletivo], percebo que a fotografia, para mim, se torna completa, em todos os sentidos, pois nas saídas fotográficas é que posso desenvolver os meus outros trabalhos. É onde conheço as pessoas, onde as relações são estabelecidas e onde os laços são feitos, sendo essenciais para o fotodocumentarismo. Considero-me uma pessoa privilegiada em fazer aquilo que amo e, ao mesmo tempo, proporcionar a mudança para que jovens e adolescentes sejam indivíduos mais críticos e formadores de opinião”, conclui.

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3 Comentários

  1. Estou feliz de ver o reconhecimento do trabalho de uma vida, que ainda está em andamento e eu sei que ainda tem um longo e bem sucedido caminho pela frente. Parabéns, Jorge! Você torna o mundo um lugar melhor para todos os que têm o privilégio de estar com você!

  2. Para mim, o Jorginho de pequeno. Que se tornou grande no caráter e de personalidade altruísta. Sua visão de águia captando a expressão nos rostos, objetos, lugares e cores, acertando todas as direções sem considerar distâncias. Na verdade, sua retina dispensa a resolução das câmeras que, desde pequeno, é uma paixão. Sua visão realmente é fantástica, principalmente porque vê com os olhos da alma impulsionado pela Luz de Deus.